sexta-feira, 3 de fevereiro de 2012

Se quiseres, podes perdoar-me

Lá estavas tu, com o mais típico casaco de todos os tempos, a fumar um cigarro junto à coluna. Desta vez, a coluna não era a do paradise garage, mas sim do café do castelo. Combinámos ali porque sempre tiveste um fascínio desmesurado por aquele sítio, uma daquelas paixões que se tem por coisas que nunca se conheceu. Como eu pelo Brad Pitt, por exemplo. 
Antigamente não fumavas. Não usavas casacos típicos. Não trocavas uma coluna por outra. Antigamente eras meu e hoje... Bem, hoje não sei bem de quem serás. 
Conta-me tudo, não me escondas nada. Diz-me com quem andas, dir-te-ei quem és. Fantástico como só me ocorrem expressões coloquiais para quebrar um gelo que já foi fogo. Apetece-me abraçar-te como sempre e falar sem parar como sempre. Como antigamente, continua a apetecer-me beijar-te mas nunca fazê-lo, como sempre. 
Ahh cá está. O sorriso realmente é uma coisa que nunca muda. Permanece igual durante anos a fio. Mas notei que sorris menos. Tá certo... Agora fumas, usas roupa da moda e não sorris. 
Oh, isto. Sim, mas já uso franja há uns anos, dá-me um ar mais novo do que aquele cabelo compridão sem forma que eu usava, lembras-te? Isso, eu sabia que te ia fazer rir.
Empresta-me isqueiro. Quer dizer, não sei se quero. Quero fumar, mas não quero que me dês isqueiro. Na minha cabeça, tu ainda não fumas. Depois de jantarmos já mo podes emprestar, já te vou conhecer melhor. Sim, porque agora não sei se te conheço. Serás mesmo tu? Reconheço a voz, reconheço o sorriso e as mãos, que sempre me meteram um medo imenso, tu sabes disso. Grandes e constantemente roídas. É verdade... Ainda não deixaste esse vício irritante? Eu deixei-o aos seis anos, como bem sabes. Desculpa estar a trazer coisas do passado, mas sinceramente, se não falarmos do que já passou, vamos falar de quê? Não sei quem são os teus amigos, se tens namorada ou não, o que fazes da vida. Se bem me lembro, nunca foste de fazer o que quer que fosse. Desculpa, mas não sei falar de coisas que desconheço.
Sim, é claro que o presente interessa, mas porque é que insistes tanto em deixar o passado no seu lugar? Magoa-te pensar no que aconteceu? Ou magoa-te mais pensar naquilo que não aconteceu? É que para mim é-me igual, dói igual. Aliás, posso-te dizer uma coisa que acho ser um segredo? Estou para aqui a direccionar-nos para o passado, porque não quero saber do teu presente. 
Eu sabia que ias concordar comigo. Concordas sempre. Pedíamos sempre a mesma coisa: 'É uma torrada e um galão, por favor', lembras-te? Depois vinha aquela eterna discussão no momento em que eu ia fumar o cigarro matinal e tu punhas-te a barafustar comigo, uma exposição detalhada dos malefícios do tabaco e seus constituintes. Para ser sincera, já nem me lembro do que dizias ao certo. Ainda continuas a ter aquelas tuas ideias pseudo revolucionárias, de fazer do mundo um sítio melhor e essas tretas? Sim, claro que são tretas. Questiono-me se alguma vez acreditaste verdadeiramente em todos os disparates que dizias...
Não, os meus dentes não estão mais brancos, estão na mesma. Ai, desculpa, mas sabes que odeio quando te pões com essas suposições vindas de lado nenhum. Óbvio que os meus dentes não estão mais brancos, nunca poderiam. Fumo há mais de quinze anos como bem sabes, o mais que podem estar é iguais. Bem, estou um bocado aborrecida de estar aqui ao frio, só porque te deu na cabeça vires apreciar o teu querido castelo. Vamos jantar, tenho fome. Se calhar até quero que me contes tudo durante o jantar. O antes e o depois. Quer dizer, só o depois, que o antes já eu sei, eu estava lá para saber. Fiz parte de um antes e se quiseres, posso fazer de um depois... Ao combinarmos cafés e jantares, claro. Não quero que penses nada de mais. É isto assim e nada mais. Não queiras pensar mais do que isto, porque senão estragas tudo e acredita que eu não volto para tentar. Não depois de quinze anos. 
Que os teus olhos não me tentem, que os teus lábios não me chamem, que aquele teu perfume barato não me faça fazer-te coisas das quais te vais certamente arrepender. 
Vá, acaba lá de fumar esse cigarro que quero jantar. Só não te esqueças que eu fico na cadeira do lado da parede, é mais confortável. Sim, também duvido que te esquecesses depois de tantas vezes que respinguei contigo, por ficares com o meu lugar.
Oh, olha a música que está a dar... Pronto, pronto, não precisas de olhar assim para mim. Sempre que a oiço, rio-me em vez de chorar. Sim, admito que dantes chorava em vez de me rir. Sabes uma coisa? Passado algum tempo, os momentos deixam de estar frescos e podes fazer das memórias o que quiseres. Em vez de me lembrar o nosso fim, lembra-me sempre do nosso início. Percebes agora porque é que me rio?  
Bem... Queres pepsi à refeição, certo? Que irritante, sempre diferente das pessoas normais. Toda a gente prefere coca-cola e depois vens tu e dizes que só gostas de pepsi
Vá, quero saber o teu presente enquanto esperamos pelos pratos. Distrai-me com vulgaridades, não quero ser forçada a lembrar-me de um passado que me obrigaste a esquecer.

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