O tempo era só mais uma coisa. Uma coisa, insignificante, tão pequena! De todas as coisas que importavam, o tempo não era uma delas. As palavras sim, eram importantes, cruciais até. Faziam do mundo um lugar melhor e pior, simultaneamente. Afectavam relações e a forma como funcionavam, eram elas que ditavam tudo. Deitado na cama, pensava que os homens eram demasiado básicos e que era por isso mesmo que as mulheres não os percebiam. 'Complicada como ela é, vai achar que quero acabar tudo', mas não era isso que ele queria. Ele queria saber, saber o que esperava dela a longo prazo, mas bem sabia que as relações não eram coisa de ser pensada a longo prazo. Um dia de cada vez sempre foi o seu lema de vida, mas a vontade que tinha de a agarrar, de a beijar e de simplesmente estar com ela, fazia-o duvidar da veracidade desse lema. Estar com ela era o que ele queria, mas não tê-la se não fosse para durar, isso já não era vida para ele, 'isso é coisa de putos, de gente imatura'. Era agora ou nunca. Ou ia querer para sempre, ou nunca mais ia querer. Ou melhor dizendo, nunca mais ia poder querer. Sim, porque depois de ditas as palavras, não há como voltar atrás, isso ele sabia e nada ia mudar. Ele já sabia. Ela ia dizer não e uns meses mais tarde ia arrepender-se, ia ter noção do que perdeu e nessa altura, mesmo que ele estivesse sozinho (sim, porque ela era a única que ele queria para sempre), não ia aceitá-la, porque nada podia interferir entre si e o seu orgulho.
'Finalmente!', exclamou quando a campainha tocou, ao mesmo tempo que o seu estômago se contorcia ao pensar que seria ela à porta e o que responderia quando ele perguntasse. De repente, viu-se preso num cenário horrível e só as palavras o podiam resgatar. Ela estava sentada com as pernas cruzadas, posição típica que tomava sempre que chegava àquela casa. Estava descontraída, à espera de mais do mesmo, de mais daquilo que sempre foi, de mais paixão assolapada e de nada mais. Pegou no comando para ligar a televisão, mas ele impediu-a. Agarrou-lhe o braço e calmamente, colocou o comando na mesinha de centro. Estranhou, mas não se mexeu para o buscar. Ele encheu-se de coragem, de toda aquela que conseguia imaginar e pensou de depois de proferir as palavras, nada mais podia fazer senão ouvir. Mas agora não, agora restava-lhe falar e não ouvir. Disse tudo, tudo o que sentia e tudo o que não sentia. O que queria dela e dele, o que planeava para os dois, aquilo que via ser a felicidade de 'um dia'. A palavra sagrada não foi dita, porque esperava a resposta dela.
Serena como sempre foi, olhou-o nos olhos, como quem diz 'estás louco, o que andaste a beber antes de eu chegar?'. Soltou uma gargalhada tão verdadeira, que ele próprio começava a acreditar que estava a delirar. Manteve-se calado, esperando a tal resposta. Percebeu, ela finalmente percebeu. Que era a sério e que infelizmente para si, era para sempre. Ele falou-lhe de viajarem e de viverem juntos e ela só conseguia imaginar a vida a dois entre as quatro paredes que eram o quarto dele, numa cama que sempre foi deles, que estava para sempre manchada com o suor de uma paixão que ela não queria que passasse mesmo disso, de uma paixão. Sempre foi serena, mas agora estava assustada e com medo, um medo que a sugava para dentro de si mesma, que a corroía e a mandava fugir. Levantou-se abruptamente e só disse 'eu não consigo fazer isto agora. Agora não dá', dirigindo-se para a porta e impedindo sempre que os seus olhares se cruzassem. Agora era ele que estava sereno. Sereno por ter explodido de palavras, aquelas que sempre quis dizer enquanto ela só queria a paixão. Ele pegou então no comando e ligou a televisão. Deitou-se no sofá enquanto o bater forte da porta ecoava pela casa. Não lamentava nada, mas gostava. Gostava de poder lamentar, mas não o fez porque sabia que não tinha esse direito. Tinha dito tudo o que queria e ela tinha ouvido aquilo que não queria. Não queria pensar mais nisso, mas os pensamentos assombravam-no e ensurdeciam as vozes da série televisiva. Entre pensamentos e vontade de lamentos, a campainha voltou a soar. Seria certamente o carteiro que trazia uma encomenda. Abriu a porta e sentiu-se de novo vivo. Ela voltou para pedir desculpa. Por tudo aquilo que não disse e não fez, por tudo aquilo que lhe fazia ter medo. Cruzou os olhos propositadamente e mais nada a parou, nem o sentimento de arrependimento que pensou ter nos momentos a seguir. Aquele quarto que sempre foi deles, cheio daquela paixão só deles, fê-la perceber que havia mais do que aquele quarto. O tempo que passavam na cozinha a jantar, na sala a conversar e na casa de banho a partilhar momentos de higiene entre a lavagem dos dentes e um duche rápido fê-la perceber que havia mais do que a paixão. E foi por isso mesmo que a seguir pegou no comando, desligou a televisão e permaneceu naquele 'ali' que agora era todo só deles, naquele conjunto de paredes que não eram só quatro e que não continham só paixão.
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