quinta-feira, 23 de fevereiro de 2012

português não é português se não tiver manias

Comprei o Cemitério dos Prazeres. Comecei por uma página ao acaso e não consegui parar de ler. Este primeiro livro de Pedro Boucherie explora as minúsculas coisas irritantes que o povo português teima em continuar a fazer, certamente com o pensamento de que 'Oh, que típico' e que assim se deve portanto, seguir a tradição. Ideia estúpida. Não se devem seguir tradições que não fazem sentido, não se devem repetir as asneiras e é isso que Boucherie vem notar. O livro está absolutamente fantástico, mas isso é só a opinião da minha modesta pessoa. Ainda que portuguesa, sou capaz de apontar os mais diversos males de que a nossa sociedade sofre. Falso patriotismo, falta de rapidez e de eficácia, aversão a muito do que não é português (ainda que nem tudo o que é nacional seja bom) e por aí fora. Admito que não consigo chegar tão longe como o autor e pôr-me a debitar apenas defeitos e apontar poucas qualidades, mas a verdade é que quem compra o livro, já deverá saber de antemão o que aí vem. É uma sátira, uma ironia e tem um intuito bem marcado. Para ler Cemitério dos Prazeres, é preciso ser-se mais mente aberta do que a maioria das pessoas e estar-se de melhor humor do que na maioria dos dias. Não diz coisas bonitas dos portugueses, portanto preparem-se para uma pontada de irritação durante a leitura de algumas passagens, mas essa pontada vai acabar por desaparecer quando um sorriso se apoderar da vossa cara, por se reverem em muitas das situações descritas por Boucherie. Ele é atrevido e desbocado e muitas vezes, pode parecer que até nem é português. Mas aí é que está o prazer da leitura deste livro. Pedro Boucherie é português e na minha opinião, expresssa-o da melhor forma possível: escrevendo sobre Portugal e em certa medida, sobre si mesmo também. 
Estou em perfeita concordância com várias das coisas descritas naquele livro, como o jornalismo em Portugal. O ex-jurado do programa ídolos da SIC diz - ilustrando com bons exemplos - que o jornalismo em Portugal é incrivelmente parcial no que toca a questões raciais e étnicas. "Indivíduo de raça branca ou negra. Forma habilidosa de qualificar alguém por causa da cor da pele. Só é usada quando há negros nas notícias. Em jornalistês, quando não há referências à raça, todos os intervenientes são causcasianos". Mais grave do que os jornalistas portugueses utilizarem este tipo de comparações numa notícia, é que isto ser ensinado em algum lado por alguém. E mais grave ainda é que este tipo de imparcialidades irracionais dos jornalistas não é coisa nova. Ou seja, com isto quero dizer que o problema deste tipo de expressões começa em quem as ensina e não em quem as publica (embora essas também devessem ter a independência intelectual suficiente para distinguirem aquilo que se deve fazer do que não se deve fazer). 
Há uma cadeira engraçada e francamente pouco útil na faculdade chamada Teoria da Notícia, em que é suposto ensinarem-se coisas como o que é o Lead, como se constrói uma notícia simples, que material tirar e aquele a incluir na publicação final. Confesso que não a tive, mas também admito que olho em volta e não vejo em que é que essa mesma cadeira possa ter sido útil para a geração que hoje em dia, forma o quadro de profissionais responsáveis por manter são, aquilo que Mário Mesquita chamou de Quarto Poder. Em Teoria da Notícia, deviam ensinar o que fazer, mas também o que não fazer dentro de uma redacção (mais precisamente no momento da publicação das notícias).
Tendo já referido a grande desilusão com que me tenho deparado relativamente ao estado do ensino nas academias portuguesas de ciências sociais e correndo o risco de me repetir, adianto apenas que acho inadmissível que sejam feitas comparações 'racistas' deste género. 
Isto tudo para vos tentar avisar da ironia mordaz com que Pedro Boucherie fala dos portugueses. Detentor de um dom para a escrita, o autor de Cemitério dos Prazeres consegue fazer-nos franzir a sobrancelha de espanto por lermos tantas coisas sobre as quais nunca havíamos pensado e ao mesmo tempo, rirmos à gargalhada por coisas que são realmente muito nossas, muito próprias. Um livro muito pouco cheia de elogios mas ainda assim, muito 'nós'. 

sábado, 18 de fevereiro de 2012

A luz da madrugada

Com os olhos ainda fechados, percorri a cama com as mãos na tentativa de te encontrar para me confortares. Quando fechei as palmas e encontrei apenas o vazio do teu lado da cama, procurei-te pelo quarto escuro. Não estavas. Pensei em não me preocupar e simplesmente virar-me e continuar no planeta dos sonhos. Mas não consegui, estava sozinha e fazias-me falta.
Corri o quarto escuro com o olhar, mas mais uma vez, não te encontrei. Já preocupada, senti a necessidade de me levantar, abrir a porta e procurar-te pela casa. A luz do luar estalava-se-me nos olhos, cegando-me momentaneamente. O caminho até à sala era cheio de altos e baixos, tinhas livros e mais livros e umas coisinhas insignificantes espalhadas por todo o lado. Começou a cheirar a tabaco e um fumo espesso já entrava pela cozinha dentro. Um perfume demasiado forte para ser apreciado a esta hora da madrugada. Agora já sabia o que estavas a fazer e apetecia-me voltar para a cama. Ainda assim, queria ver. Estava a fazer o caminho ao contrário e detive-me. Fui à sala. Encostei-me à ombreira da porta e lá estavas tu. Era tão bonito apreciar-te. Sempre adorei apreciar-te. Quem me dera que fosses sempre assim. Tão dedicado, tinhas-lhes uma paixão tão grande. Lá estavas tu, como em noites passadas. A luz que entrava naquele 3º andar tinha uma cor agradável, quase convidativa. Era de um vermelho escuro brilhante. Lá estavas tu. Passavas uma mão no cabelo e com a outra, seguravas um cigarro com a cinza por bater. Imerso no que estavas a fazer, nem paraste para pensar de quem seriam os passos de quem se aproximava. Lá estavas tu. Com o livro pousado no colo e as pernas empoleiradas em cima do varandim, lias histórias de pessoas inquietas com uma paz de alma que raramente é tua característica. Lá estavas tu. A luz era realmente agradável, principalmente quando acertava mesmo no teu tronco nu. Já havias batido o cigarro e a cinza jazia agora dentro de um pequeno cinzeiro de metal que te ofereci para situações como esta. Como era perfeita aquela visão de ti a leres, tão sereno, que quase me esquecia que tens defeitos. O vidro da janela estava aberto porque fazia calor naquele minúsculo apartamento que era todo muito teu. Passou uma brisa gelada, tão fria que te fez arrepiar. Mas ainda assim, lá estavas tu. Não paravas para pensar, para olhar, não paravas para mais nada sem ser para ler. Não queria quebrar aquele momento. Queria tanto congelar esta tua imagem na minha cabeça, que não queria sequer mexer-me para que tu me notasses. Pé ante pé, voltei para o quarto, e ao pensar na luz vermelha que entrava pela janela e no teu livro de colo, só desejei ter o privilégio de ser para sempre tua, nunca ser de outro alguém. Nunca me deixes pelos livros. Deixa-me estar aqui dentro da tua cama, da tua casa, da tua rua. Deixa-me estar perto de ti e dos teus pensamentos. Eu, tu e os livros. Pode ser? Diz que sim, por favor, diz que sim. 

sexta-feira, 3 de fevereiro de 2012

Se quiseres, podes perdoar-me

Lá estavas tu, com o mais típico casaco de todos os tempos, a fumar um cigarro junto à coluna. Desta vez, a coluna não era a do paradise garage, mas sim do café do castelo. Combinámos ali porque sempre tiveste um fascínio desmesurado por aquele sítio, uma daquelas paixões que se tem por coisas que nunca se conheceu. Como eu pelo Brad Pitt, por exemplo. 
Antigamente não fumavas. Não usavas casacos típicos. Não trocavas uma coluna por outra. Antigamente eras meu e hoje... Bem, hoje não sei bem de quem serás. 
Conta-me tudo, não me escondas nada. Diz-me com quem andas, dir-te-ei quem és. Fantástico como só me ocorrem expressões coloquiais para quebrar um gelo que já foi fogo. Apetece-me abraçar-te como sempre e falar sem parar como sempre. Como antigamente, continua a apetecer-me beijar-te mas nunca fazê-lo, como sempre. 
Ahh cá está. O sorriso realmente é uma coisa que nunca muda. Permanece igual durante anos a fio. Mas notei que sorris menos. Tá certo... Agora fumas, usas roupa da moda e não sorris. 
Oh, isto. Sim, mas já uso franja há uns anos, dá-me um ar mais novo do que aquele cabelo compridão sem forma que eu usava, lembras-te? Isso, eu sabia que te ia fazer rir.
Empresta-me isqueiro. Quer dizer, não sei se quero. Quero fumar, mas não quero que me dês isqueiro. Na minha cabeça, tu ainda não fumas. Depois de jantarmos já mo podes emprestar, já te vou conhecer melhor. Sim, porque agora não sei se te conheço. Serás mesmo tu? Reconheço a voz, reconheço o sorriso e as mãos, que sempre me meteram um medo imenso, tu sabes disso. Grandes e constantemente roídas. É verdade... Ainda não deixaste esse vício irritante? Eu deixei-o aos seis anos, como bem sabes. Desculpa estar a trazer coisas do passado, mas sinceramente, se não falarmos do que já passou, vamos falar de quê? Não sei quem são os teus amigos, se tens namorada ou não, o que fazes da vida. Se bem me lembro, nunca foste de fazer o que quer que fosse. Desculpa, mas não sei falar de coisas que desconheço.
Sim, é claro que o presente interessa, mas porque é que insistes tanto em deixar o passado no seu lugar? Magoa-te pensar no que aconteceu? Ou magoa-te mais pensar naquilo que não aconteceu? É que para mim é-me igual, dói igual. Aliás, posso-te dizer uma coisa que acho ser um segredo? Estou para aqui a direccionar-nos para o passado, porque não quero saber do teu presente. 
Eu sabia que ias concordar comigo. Concordas sempre. Pedíamos sempre a mesma coisa: 'É uma torrada e um galão, por favor', lembras-te? Depois vinha aquela eterna discussão no momento em que eu ia fumar o cigarro matinal e tu punhas-te a barafustar comigo, uma exposição detalhada dos malefícios do tabaco e seus constituintes. Para ser sincera, já nem me lembro do que dizias ao certo. Ainda continuas a ter aquelas tuas ideias pseudo revolucionárias, de fazer do mundo um sítio melhor e essas tretas? Sim, claro que são tretas. Questiono-me se alguma vez acreditaste verdadeiramente em todos os disparates que dizias...
Não, os meus dentes não estão mais brancos, estão na mesma. Ai, desculpa, mas sabes que odeio quando te pões com essas suposições vindas de lado nenhum. Óbvio que os meus dentes não estão mais brancos, nunca poderiam. Fumo há mais de quinze anos como bem sabes, o mais que podem estar é iguais. Bem, estou um bocado aborrecida de estar aqui ao frio, só porque te deu na cabeça vires apreciar o teu querido castelo. Vamos jantar, tenho fome. Se calhar até quero que me contes tudo durante o jantar. O antes e o depois. Quer dizer, só o depois, que o antes já eu sei, eu estava lá para saber. Fiz parte de um antes e se quiseres, posso fazer de um depois... Ao combinarmos cafés e jantares, claro. Não quero que penses nada de mais. É isto assim e nada mais. Não queiras pensar mais do que isto, porque senão estragas tudo e acredita que eu não volto para tentar. Não depois de quinze anos. 
Que os teus olhos não me tentem, que os teus lábios não me chamem, que aquele teu perfume barato não me faça fazer-te coisas das quais te vais certamente arrepender. 
Vá, acaba lá de fumar esse cigarro que quero jantar. Só não te esqueças que eu fico na cadeira do lado da parede, é mais confortável. Sim, também duvido que te esquecesses depois de tantas vezes que respinguei contigo, por ficares com o meu lugar.
Oh, olha a música que está a dar... Pronto, pronto, não precisas de olhar assim para mim. Sempre que a oiço, rio-me em vez de chorar. Sim, admito que dantes chorava em vez de me rir. Sabes uma coisa? Passado algum tempo, os momentos deixam de estar frescos e podes fazer das memórias o que quiseres. Em vez de me lembrar o nosso fim, lembra-me sempre do nosso início. Percebes agora porque é que me rio?  
Bem... Queres pepsi à refeição, certo? Que irritante, sempre diferente das pessoas normais. Toda a gente prefere coca-cola e depois vens tu e dizes que só gostas de pepsi
Vá, quero saber o teu presente enquanto esperamos pelos pratos. Distrai-me com vulgaridades, não quero ser forçada a lembrar-me de um passado que me obrigaste a esquecer.

And still

Her life was a mess, but still she tried to take another step forward.
His life was a mess, but still he tried to take that step forward with her.
She loved him and still, she never learned how to do it.
Just like her, he loved her too, just didn't know how to.
They were both taught that it was never too late, but they both knew it was already too late.
'Hope is hopelessness', she used to say.
He was too junky for her, too young for her, too reckless for her, too careless for her.
She was too snob for him, too old for him, too full of bullshit for him, too bright for him, too sure of everything for him.
They were perfect for each other, that's what they were. And still, they blew it.

quarta-feira, 1 de fevereiro de 2012

Felicidade Camuflada

Nem sempre se tratou de uma espécie de contrato social, mas a vida ensinou-o assim: é preciso saber fingir para ser feliz. No fundo, a vida não passa de um 'faz de conta', daquele que jogavam quando eram crianças, em que tudo era uma farsa, um escape. Na verdade, o seu escape de outrora tornou-se a sua realidade de hoje em dia.

Made in China

Nunca parou de pensar no que poderia ter sido se fosse. Se se aproximasse mais um pouco e arriscasse.

O problema foi nunca saber como arriscar. Não iria suportar mais um 'não', mais palavras atiradas contra um muro. As palavras caíam no chão e despedaçavam-se como se de pedaços de vidro se tratasse. 

Era cruel o que ele lhe fazia. Parecia fazer-lhe mal ao não aceitá-la, mas ao mesmo tempo, a sua presença trazia a garantia de um sorriso sempre que se viam. 

Perguntou-se se ia sempre ser assim. Sim, ia. Porquê? Assim, ia ser sempre mais seguro, sempre mais cómodo, sempre mais fácil. Ainda assim, era frágil e quebradiço, vidro rasco de uma qualquer marca chinesa.