quinta-feira, 29 de novembro de 2012

reticências (...)

Eles fazem parte de um livro invisível. Páginas de sangue, suor e lágrimas. Não, só de muito amor... e talvez um pouco de suor.

Eles fazem parte de um livro invisível. Nele escreveram-se palavras soltas e desreguladas, letras sem nexo, mas sentimentos com sentido. Podem evaporar-se daqui a nada, talvez hoje, amanhã, depois ou nunca. A única coisa que importa é terem sido escritas. Podem querer apagá-las, mas sem efeito. A borracha não chega; nem o corrector tem essa capacidade. A lápis ou a tinta, as palavras estão escritas de qualquer forma. Parecem escritas numa língua quase universal, perceptíveis de forma intangível e por eles apenas. 

Eles fazem parte de um livro invisível. Nunca rasgues as páginas de uma obra que não vais querer esquecer. 

quarta-feira, 31 de outubro de 2012

E foste-te um dia, assim...

Há alturas da tua vida que são marcadas por acontecimentos inesperados, levando a consequências sem retorno, a momentos sem igual, a uma qualquer desgraça ou bênção de bradar aos céus. Queres um desses episódios intemporais? Vai atrás deles, percorre-os como se o Mundo fosse acabar amanhã e não penses no que virá a seguir. Não te acobardes dentro do teu próprio conformismo, não te deixes levar por aquilo que te sabe bem, porque um dia vais ser apunhalado por esse conforto, que fora tão bom, que fora tão apaziguante. Vais querer soltar as amarras, vais querer fugir e não aparecer mais, vais querer viver como nunca o havias feito na tua vida. Viveste morto, isso sim. Agora renasceste e sabes que nada é eterno, sabes que o Mundo é teu e tens o poder nas mãos. Não morras antes de viver por favor. As epifanias são coisas raras e teres uma exige que a sigas. A segurança parece ser a maior das armas contra a monotonia, mas na verdade, é o seu principal componente. Leva gozo a viver a vida, não aches que chegar a casa e teres jantar feito é a melhor coisa que te aconteceu no dia. Desafia-te a ti e aos outros. Não sejas mole, não te deixes amolecer por favor. Suplico-te que não. Ganhaste a hipótese de viver outra vez. Não te mates entre lençóis lavados, 'boa noites' sussurrados todas as noites e pequeno almoços levados à cama.

quarta-feira, 10 de outubro de 2012

Só mais muitas vezes, por favor

Faz isso só mais ... Muitas vezes, por favor. Beija-me outra vez, ama-me outra vez, cozinha para mim. Outra e outra vez, faz tudo vezes sem fim. Suplico-me que fiques comigo para sempre. Não, mas não quero que fiques comigo por pena, isso é que não. Mete-me nojo que tenhas pena de mim, pena que eu me desfaça em cacos no momento em que te vir sair daquela porta. O sofrimento é uma coisa curiosa, sabias? Só sofres até te lembrares de qual é a razão. Um dia vais acordar e questionar a verdadeira razão de tanto choro, de tanta depressão, de tantos quartinhos escuros nessa tua mente decadente. Sim, toda a tua pessoa é decadente e isso causa-me repulsa. Odeio pessoas como tu, que olham para os outros como pequenos projectos de melhoramento. Como se alguma vez me pudesses melhorar! Sabes bem que sou melhor do que tu e sabes ainda melhor que é por isso que queres virar costas. És demasiado cobarde para admitir que queres ficar, que precisas disto para ser feliz. Não, não me estás a entender bem. Eu não quero que a tua felicidade precise de mim para ser uma só. Eu quero que tu sejas feliz. Sê feliz. Vira as costas e vai-te embora, não quero que tenhas pena de mim. Metes-me nojo, amor da minha vida.

Abstraccionismo da solidão

Nunca sabes aquilo que a vida te propõe. Vais andando até morreres sem saberes muito bem o que estás a fazer e tentar acomodar-te, mas não consegues. Tudo o que tem que ser, será um dia. Mas tu sabes que não é bem assim. Sabes que perdeste quem mais te amou porque desvalorizaste o valor que te atribuíram e agora já é tarde demais. Sabes que amaste mais do que achavas possível, mas perdeste tudo isso para uma juventude de desvairos impensáveis e lógicas desconstruídas. Nunca soubeste muito bem a quem te agarrar, ao que te agarrar, mas foste percebendo que nem tudo é passível de ser agarrado. Muitas vezes vive-se melhor sozinho, pensas tu todas as noites, quando te tentas convencer que uma casa vazia é melhor do que uma cheia. Em que pensas tu todas as noites? 

terça-feira, 9 de outubro de 2012

Atenção: Isto não é um texto de ficção

Casa dos Segredos é um dos temas mais badalados da actualidade em Portugal. É uma pena e isso todos nós sabemos (incluindo aqueles que vêem, que é algo imperceptível para a minha pessoa). O que não sabíamos é que a Casa devia realmente ter mais concorrentes enfiados lá dentro, porque era menos espaço físico português que era ocupado pelas criaturas mais idiotas e insignificantes à face da terra. Dizem que os norte-americanos são burros? Apenas posso então concluir que os portugueses querem tentar igualar-se, superar essa 'idiotice crónica' de que tanto acusam o povo dos Estados Unidos. 
Bem, se até aqui não disse nada que contribuísse para a vossa felicidade, então parem de ler porque não vai decerto melhorar. O que a TVI está a criar é sim, uma problema social crónico, ao permitir que personagens cujos nomes são pouco pronunciáveis, se pavoneiem em frente das câmaras e se tornem conhecidas caras do povo português. Revolta-me saber que as audiências desse 'programa' foram altíssimas e revolta-me ainda mais saber que houve mais candidaturas para o mesmo, do que para o ensino superior neste ano de 2012. Mas mais do que isto, revolta-me saber que existem palhacinhos ainda mais disfarçados a conduzirem e a andarem pelas ruas de Lisboa e arredores todos os dias. Ou começam a aceitar mais pessoas dentro da Casa dos Segredos, ou eu deixo de sair de casa porque não me sinto segura a andar na rua ao lado de verdadeiras personagens. 
Passava pouco das nove da manhã e o céu estava nublado e o ar altamente húmido. Deixei-me ir pelo mesmo caminho que sigo todos os dias para o trabalho e eis senão quando surge um carro escuro que ia passar ao meu lado esquerdo. Graças a um outro aspirante a habitante com segredos, fiquei sem capa de retrovisor esquerdo e acabei por nunca mandar arranjar, já que ainda servia perfeitamente o seu propósito. Voltemos ao meu trajecto da manhã. Ora pois que a dita condutora bate violentamente naquilo que restava do meu retrovisor. Ao assistir de perto ao acontecimento, apitei durante um tempo considerável, até que se decidiram a dar a cara. Para meu espanto, aquilo que saiu da boca daquela senhora extremamente educada e bem formada, foi "Devia ter ido mais chegada à direita", ao que eu respondo que realmente era impossível, pois incorreria no risco de atropelar os transeuntes que normalmente passam por aquele troço de estrada. Qual não foi o meu espanto quando de seguida ouço: "É melhor seguirmos os nossos caminhos, senão vou ter que me chatear". 

Equipa de produção da Casa dos Segredos, por favor, peço-te encarecidamente que aceites esta ilustre personagem no teu programa porque eu tenho medo, muito medo que a mesma doença crónica (a estupidez, para quem não percebeu) afecte os restante moradores daquela localidade. 

Obrigada!

domingo, 7 de outubro de 2012

Sem título. Sem rumo.

Conheci alguém que me fez esboçar um sorriso. Depois cresci e parece que perdi essa pessoa entre o trânsito do crescimento, entre as colinas da desilusão. Perdi-te para alguém mais forte, mais capaz, mais adulto, mais qualquer coisa. Atrevo-me até, a dizer que te perdi com o crescimento. Depois de ti, só saudade, só mágoa, só um intenso ardor interior que me faz querer voltar a ser criança, a andar naquele baloiço de madeira velha. Só mais uma vez, faz-me sorrir mais uma vez. Por favor faz para eu poder continuar a morrer. A crescer, quero dizer.

sexta-feira, 5 de outubro de 2012

Obrigada

Esbarraste contra mim em mais uma noite de bebedeiras imensuráveis e adolescências muito perdidas pelo aproveitamento daquilo que julgamos serem experiências inesquecíveis. Mesmo a cinco anos de distância, conseguiste encontrar-me e insististe. Nunca desististe de me conhecer, de saber quem eu era, como me comportava, como reagia. Tudo acontece com uma naturalidade na qual eu não me revia. Percebi que não te entrava na cabeça, não mexia mesmo contigo. Tu não me interiorizavas. E sabes que mais? Ainda bem, porque a marca que deixaste sarou rápido, se é que alguma vez deixou ferida. Talvez tenhas sido importante, ou não. Prefiro pensar que sim, mas não coloco de lado o facto de teres sido apenas mais uma pessoa que passou e não marcou. Eu quis que marcasses, mas tu tinhas que chegar e estragar tudo de tal forma, que deixaste de ser quem eras, deixei de te ver como quem sempre foste e passaste a ser um outro alguém, desconhecido, distante, despegado. De qualquer maneira queria agradecer o esforço inicial, a vontade demarcada de um encontro marcante. Desculpa se te desiludi, se não te marquei como querias, se embarcaste numa aventura para um rumo que nunca quiseste que fosse o teu. Só quis fazer-te feliz como tu prometeste tentar fazer-me.

Obrigada de qualquer maneira, há sempre o início para recordar.

Obrigada.

quinta-feira, 4 de outubro de 2012

Precedências

Diz-me para onde queres ir e eu levo-te, só não me deixes aqui ao frio sem saber porque desapareceste. Um dia segui-te, pus-me em biquinhos de pés e olhei-te nos olhos. Congelaste a tua expressão, o teu olhar, cerraste os lábios. Fizeste de conta que eram a expressão, os olhos e a boca de uma qualquer outra pessoa. E sabes que mais? Eu não sei porquê. Todos os acontecimentos costumam ser consequências de outras situações que se precedem umas às outras, mas tu não tens razão, não tens consequência nem precedência. És apenas assim. Insano da cabeça aos pés sempre foste, mas agora ficaste-te pelo caminho em direcção à perdição total. Não fiques triste, ainda fui a tempo de resgatar a perfeição que deixaste para trás. 

Monopoly

Andamos todos no jogo da incerteza. Todos os dias lançamos o dado e todos os dias perdermos, recuamos casas e casa a perder de vista. Já quase no fundo do tabuleiro, lançamos o dado novamente. Andamos três casas para a frente. E dez para trás novamente. Jogamos todos num beco sem saída e ficamos cansados sempre que pensamos qual vai ser o resultado. Eu já sei, eles já sabem. Todos vamos perder. A saturação é um estado eminente, se não é já constante. Tudo aborrece a alma humana. Nós já não somos almas humanas porque já nos aborrecemos demais. 

Eu só queria poder saber que tudo tem uma razão de ser, mas o beco sem saída tira-me a esperança de um rumo a seguir. 

quarta-feira, 5 de setembro de 2012

Estava longe de ser feliz, mas nunca tinha pensado nisso antes. Um dia olhou à sua volta e percebeu que estava no meio de uma multidão. Mas estava sozinha.

domingo, 12 de agosto de 2012

Como sempre

Somos todos assim. Feitos de uma mistura de gorduras lascivas que se derretem na noite secretiva. Os corpos desfazem-se com o calor, mas são feitos de uma matéria tão especial, que voltam ao lugar em apenas alguns minutos. Frios e brancos, voltam a ser frios e brancos como sempre.

sexta-feira, 10 de agosto de 2012

Vida

Não me querias largar. Mas eu não te queria por perto. Aquilo que sentias não era saudade nem era vontade. Era o sentimento de teres passado uma vida a meu lado, de agora não saberes o que fazer com ela. A vida, quero dizer. Chegara o momento em que terias de te movimentar sozinho, de te alimentar sozinho, de sentir tudo sozinho, sem partilhas nem armadilhas. Sem discussões nem batalhas vencidas. De repente sentiste-te o homem mais poderoso do Mundo, capaz de qualquer coisa, de vencer qualquer desafio proposto. Começaste a perceber que não era eu que te fazia falta, eras tu próprio. Um dia enclausuraste-te dentro de mim e nunca mais saíste até hoje. Hoje foi o dia em que escolheste ser tu, em que preferiste a tua liberdade ao amor monótono de uma vida. Hoje vais ser feliz com a tua escolha.

quarta-feira, 25 de julho de 2012

Ali mesmo. Assim. Ali.

Olhar vítreo, ombros e braços pesados e brancas a voar ao sabor do vento. Viu-se diante da cidade que já foi sua, um espaço por si eleito. Desterrado de si mesmo, encerrou ali o seu capítulo. A série chegou ao fim e ali estava ele, preso num estúdio que não queria largar, que não sabia largar. Temia aquele lugar, mas preferia-o, à dor de sequer pensar como seria a saudade.

sábado, 21 de julho de 2012

Existência

Mata-nos a todas, essa inércia que é viver. Ora somos as pessoas mais ocupadas do Mundo, ora desejamos desaparecer para bem fundo de um poço. Não morrer, apenas deixar de existir, deixar de ser. Deixar de ser assim como somos, como sempre fomos. Será que isso quer então dizer que não nos sentimos bem sendo quem somos? Bem, talvez seja isso, sim. Mas será que isso é mau? Talvez não. Há quem ame uma pessoa que nunca existiu, que crie uma personagem dentro de alguém real. "Tu gostas da imagem que fizeste de mim", costuma frequentemente ouvir-se dizer. Se assim é, então porque não podemos nós "Gostar da imagem que fazemos de nós"? Às vezes parece ser possível querer ser assim, normal. E depois de repente desatamos aos pensamentos e aos pontapés à rotina e essa lógica desconstrói-se para dar lugar a uma coisa maldita, a uma imagem desfocada que agora ansiamos mais do que qualquer outra coisa no Universo. O céu corrói-nos e parece gozar connosco. Está ali tão quieto, mas ao mesmo tempo tão omnipresente e tão cheio de si. Acha-se o maior. Todos nos queremos achar os maiores. E porque é que não? Esta inércia de vida é que não.

Escolhe

Então, perdeste-te entre as memórias? Sei que são grandes demais, mas não chegam para tanto. Sabes qual é o problema? A fragmentação das coisas. Quando algo se parte em infinitos milhões de bocadinhos, é um bocado impossível que tudo voltar a ser como um dia foi.
Esta é a história da tua vida. Da minha. De vossa e da deles. É a história de todos nós que se fragmenta aos poucos sem dar sinais.

Tudo acontece e ninguém se apercebe.

Um dia olhas para trás e estás metido num buraco escuro e vazio, quando tentas chamar alguém, a tua voz ecoa e dissipa-se no ar frio da noite.

Um dia olhas para trás e tens três crianças pequenas correndo para ti a chamarem-te "papá". Não sabes o que fazer, já não aguentas o peso e só pensas: "Tenho saudades da solidão".

Um dia olhas para trás e vês a porta do tribunal. Tentaram durante tantos anos para depois acabar assim? Não queres viver, não queres mais nada.

A vista daqui é perfeita. Sem derivações adjectivais. A vista daqui é perfeita. Mergulhas no fundo do ser.. ou do Mundo, como preferires chamar-lhe. Ouves gritos desesperados bem ao longe e pensas em como tudo é tão melhor ali, tão mais apaziguador. Até a dor do sufoco e a falta de ar nos pulmões é apaziguadora. Tudo deixa de mexer. Tudo pára.

Tu páras. A dor pára. A morte dá sinais de vida e tu pareces sentir-te feliz pela primeira vez na vida. Ou na morte, como preferires chamar-lhe.

terça-feira, 17 de julho de 2012

circundante

Cada vez mais te afundas no barulho envolvente. Conquistas o que não queres, deixas partir quem sempre desejaste. Dentro de ti há um fogo que não queima, mas deixa marca. Nunca se apaga e não se deixa apanhar. Tu és fogo e queimas tudo à tua volta. Queimas as pessoas e as coisas. Tudo é agora cinzas. Do que sempre foi, só agora restas tu e nada mais. São quilómetros de distância que deixaste de todas as pessoas e não queres nem mais um centímetro. Mas também não queres aproximação. Queres que fiquem, apenas que fiquem onde estão. Não se mexes, não se movam, não se movimentem. Quero que tudo permaneça estático até que eu queira voltar a mexer-me de novo também.

segunda-feira, 16 de julho de 2012

Assinado

Estás guardado num espaço onde só cabes tu. Não me perguntes onde é, porque nunca soube que existia tal coisa dentro de mim. Quero que saias e que me abandones já. Ouviste, não ouviste? Já. Não é daqui a bocado. Quero já. Esquece. Afinal descobri que é impossível abandonarmos uma coisa que nunca tivemos. E ainda mais impossível que isso é descobrirmos tal coisa sozinhos, sem termos alguém que nos diga isso. Sabes... é que termos alguém que nos diga as coisas, é porque não estamos sozinhos. Tu silencias-me, é isso! Mentira, não silencias nada. Quer dizer, não me deixas falar, mas não é porque me calas os lábios. Tu impedes o meu pensamento de fluir, a lógica de se processar. Tu quebras-me. Vês o que fizeste? Quebraste-me. Não tenho cola e tu não serves. Lamento. Lamento imenso mesmo. 

Os melhores cumprimentos, 

Ass. ___________

segunda-feira, 25 de junho de 2012

Refugia-te em mim

Nunca te vi mas sei como és. Nunca te senti mas sei o que me fazes sentir. Nunca te olhei e sei como me olhas. És o meu pior pesadelo. Desaparece-me da frente e deixa-me ir contigo. Não me deixes à mercê do vento, ele come-me viva. Não me deixes aqui ao frio, ele arrasta-me para um caminho sem fim, sem fundo, sem margem. Empurra-me para dentro do teu amor. Suga-me confortavelmente. Podes até matar-me se quiseres, eu deixo que me sufoques lentamente. Só não me magoes, mata-me sem dor, com amor e sem dor. Rasga-me a roupa e rompe-me a vergonha. Obriga-me a ser eu, obriga-me a mudar porque isto não sou eu. Aquilo que fizeste de mim não sou eu. Sou outra pessoa. Sei quem sou, mas não quero ser. Sou tu e tu és eu. Dá-me de volta o meu ser por favor. Peço por favor porque sou cortês e educada. Não me mordas o coração, fala-me antes ao ouvido. Eu odeio-te, ouviste? Tens em ti aquilo que mais quero para mim. Dá-me de volta.


Macau, quem és tu?

Macau. Essa cidade metida ali entre os gigantes. Estás presa num tempo que não se conta, enraizada numa alma que não se vê, apenas se sente. Tens a vida boémia e tresloucada dos casinos, tens a calmaria do Rio das Pérolas e a serenidade da intocada ilha de Coloane. Tens as vendedoras de frutas e legumes à beira rio, mesmo a um passinho do continente. Tens os montes verdejantes das ilhotas, que respiram ar puro, o único ar puro que existe em ti. O caminho é sinuoso mas faz-se rapidamente. As ilhas não pecam pela grandeza e sempre tens a paisagem. És tão bonita que não consigo descrever-te. Tens tanto em ti que não consigo expressar-me. Assolas-me e deixas-me muda. Deixa-me falar por favor. Deixa-me mostrar-lhes o quão perfeita tu és, quanta história tens encarcerada dentro de ti. Fujo para ti quando preciso de paz, mas não sei bem porquê nem que tipo de paz é essa.
Que se danem os casinos! Quero-te tanto. Quero a tua histeria discreta, a tua felicidade serena, a tua busca incessante por tudo aquilo que ainda vais ser. Não deixes de ser porque eu não te quero deixar. Não te deixes abandonar e mantém a tua alma. Constrói o teu futuro em volta do teu passado. Preserva o Leal Senado e as ruas que dão para as Ruínas de São Paulo. Preserva as lojinhas que vendem carnes com um cheiro nauseabundo. Preserva os mendigos que passeiam de carrinho de compras em riste. Preserva tudo aquilo que me obriga a ser tua. A Caravela e todos os falsos pastéis de nata e coisas parecidas com um café expresso. Preserva as paisagens e os prédios a perder de vista, as casas que parecem barracas e as lojas de antiguidades mais antigas do que as próprias velharias. Preserva a beira rio e o contraste com um trânsito frenético. Preserva os páteos abandonados e sujos, as piscinas públicas abarrotando de pequenos chineses que gritam a plenos pulmões. Preserva os carrinhos de comida muito pouco higiénicos que ganham vida durante a madrugada, depois de noites loucas sem fim à vista. Preserva a humidade fétida que se sente a cada abrir de janela, a cada sair porta fora, a cada passeata pela baixa. 

Estás presa num tempo que não se conta. Mas afinal... Macau, quem és tu?

sábado, 9 de junho de 2012

Embaciado

Devias estar a fazer-me falta. Não fazes e eu assusto-me com a ausência do sentimento. Na esperança de te ter de novo a assolar-me todos os pensamentos, todos os cantos do meu ser, recordo a imagem de nós dois na minha cabeça. Vezes e vezes sem conta, se queres saber. Reclamavas sempre comigo por deixar a casa de banho demasiado embaciada depois de tomar banho. Como em todos os outros dias, também naquele entraste para mandares um daqueles gritos "não tomes com a água tão quente, não vês que isso até te faz mal?" e eu ignorava-te. Era sempre isso que fazia e era sempre assim que resultava.  Naquele dia preparavas-te para gritar, mas ao contrário dos outros, eu não estava enrolada no meu enorme toalhão de banho verde alface, mas sim despida. Já havia desembaciado a parte do espelho que me dava pela face, a fim de colocar o creme e fazer todas as outras trivialidades de quem acaba de sair da banheira. Olhaste para mim e abriste a boca, mas não gritaste. Espantado, não desviavas o olhar. Estranhei-te. Sempre tão descontraído... Mas naquele momento parecia que tinhas acabado de me conhecer, que me estavas a vislumbrar pela primeira vez. Atreveste-te a tocar-me no ombro despido e ainda húmido. Palmilhaste-me o corpo cuidadosamente, como quem não queria magoar-me, como quem queria conservar-me eternamente. Como quem embarca numa aventura até ao centro da terra, desceste com os lábios até ao meu pescoço. Continuei a olhar na direcção do espelho. Ver a tua excitação e o meu prazer espelhados por entre o vapor. Não me mexi. Não queria assustar-te. Sabia tão bem saber que não tinha passado ao estatuto de melhor amiga, que continuava a ser uma mulher em toda a plenitude que esta deve ser, com todos os luxos e desaires da sua condição. As tuas mãos de unhas roídas começaram lentamente a percorrer-me os braços, passando pelo meu ventre, pelas minhas costas, pelas minhas pernas. A tua boca caminhou um pouco mais e foi ao encontro da minha. Fomos até onde não sabíamos ser possível.

Nunca mais reclames comigo por causa do vapor na casa de banho.

Não gosto da sensação de sair do banho, limpar o espelho com a mão e não ter a tua imagem comigo.

Boa noite, até nunca.

"Já gostaste de alguém como gostas de mim?"
"Gostar é uma coisa relativa."
"Será que gostar de alguém é apenas válido quando é recíproco?"
"Claro que não. Tu gostas de mim e eu não gosto de ti."
"E achas que alguma vez vais gostar?"
"Não".

Desligaram a televisão que já só estava a emitir um qualquer ruído de fundo ensurdecedor, dobraram a primeira esquina do corredor e depois a segunda. Dentes lavados e pijamas vestidos.

"Boa noite, até amanhã".
"Dorme bem, se precisares de alguma coisa, acorda-me".

A porta fechou-se atrás de si e ele ligou a televisão de novo no canal das televendas. A noite quase se tornava dia lá fora. Ele só queria que ela adormecesse para não se preocupar. Acabou por adormecer antes que algum outro pensamento lhe passasse pela mente. O dia seguinte ia ser melhor, ia sempre ser melhor. Nunca era e o silêncio tomava o lugar da aliança de um casamento festejado para sempre.

E já lá vão três anos de portas a fecharem-se atrás dele e de noites passadas sozinha numa enorme cama de casal. E já lá vão três anos de vidas separadas num mesmo apartamento.

sexta-feira, 9 de março de 2012

Cor violeta

Dia 25 de Outubro voltam a pisar os palcos. Portugal corre-lhes nas veias, no coração, nos pulmões e nas cordas vocais. Corre-lhe a língua portuguesa nas letras e nos ritmos. Pena é que quase nos tenhamos esquecido de como soam na verdade. As recordações só são possíveis através de vídeos do youtube, corroídos pelos anos que já passaram desde que a banda se desmembrou. Ultimamente, só Felipe Pinto do programa Ídolos os trouxe de volta com a sua interpretação de "Ouvi Dizer", um hino ao amor - ou há quem diga, há falta dele. 
Fantástica e felizmente, os poetas e cantores Ornatos Violeta voltam aos coliseus de Lisboa e Porto nos dias 25 e 30 de Outubro deste ano. O que se queria mesmo é que o grupo nunca se tivesse separado, mas em entrevista, disseram que era uma decisão necessária para que continuassem todos amigos, que aquele não era um percurso que tencionavam continuar. Alguns membros da banda já fazem parte de outros grupos musicais, sendo um deles o Supernada. 
Agora resta-nos aguardar para o próximo passo daqueles que um dia foram os Ornatos. Esperar mais um pouco para voltar a vê-los juntos e ter o prazer de os ouvir tocar fortes temas como "Chaga", "Ouvi Dizer" ou mesmo "Chuva". E se escutarmos com atenção, ainda vamos conseguir ouvir gritos de saudades. Saudades de palco, de pessoas e de poemas. Bem, disso não tenho a certeza, mas sei que eu tenho. Saudades de poemas e dos Ornatos. Saudades dos poemas dos Ornatos.



quinta-feira, 23 de fevereiro de 2012

português não é português se não tiver manias

Comprei o Cemitério dos Prazeres. Comecei por uma página ao acaso e não consegui parar de ler. Este primeiro livro de Pedro Boucherie explora as minúsculas coisas irritantes que o povo português teima em continuar a fazer, certamente com o pensamento de que 'Oh, que típico' e que assim se deve portanto, seguir a tradição. Ideia estúpida. Não se devem seguir tradições que não fazem sentido, não se devem repetir as asneiras e é isso que Boucherie vem notar. O livro está absolutamente fantástico, mas isso é só a opinião da minha modesta pessoa. Ainda que portuguesa, sou capaz de apontar os mais diversos males de que a nossa sociedade sofre. Falso patriotismo, falta de rapidez e de eficácia, aversão a muito do que não é português (ainda que nem tudo o que é nacional seja bom) e por aí fora. Admito que não consigo chegar tão longe como o autor e pôr-me a debitar apenas defeitos e apontar poucas qualidades, mas a verdade é que quem compra o livro, já deverá saber de antemão o que aí vem. É uma sátira, uma ironia e tem um intuito bem marcado. Para ler Cemitério dos Prazeres, é preciso ser-se mais mente aberta do que a maioria das pessoas e estar-se de melhor humor do que na maioria dos dias. Não diz coisas bonitas dos portugueses, portanto preparem-se para uma pontada de irritação durante a leitura de algumas passagens, mas essa pontada vai acabar por desaparecer quando um sorriso se apoderar da vossa cara, por se reverem em muitas das situações descritas por Boucherie. Ele é atrevido e desbocado e muitas vezes, pode parecer que até nem é português. Mas aí é que está o prazer da leitura deste livro. Pedro Boucherie é português e na minha opinião, expresssa-o da melhor forma possível: escrevendo sobre Portugal e em certa medida, sobre si mesmo também. 
Estou em perfeita concordância com várias das coisas descritas naquele livro, como o jornalismo em Portugal. O ex-jurado do programa ídolos da SIC diz - ilustrando com bons exemplos - que o jornalismo em Portugal é incrivelmente parcial no que toca a questões raciais e étnicas. "Indivíduo de raça branca ou negra. Forma habilidosa de qualificar alguém por causa da cor da pele. Só é usada quando há negros nas notícias. Em jornalistês, quando não há referências à raça, todos os intervenientes são causcasianos". Mais grave do que os jornalistas portugueses utilizarem este tipo de comparações numa notícia, é que isto ser ensinado em algum lado por alguém. E mais grave ainda é que este tipo de imparcialidades irracionais dos jornalistas não é coisa nova. Ou seja, com isto quero dizer que o problema deste tipo de expressões começa em quem as ensina e não em quem as publica (embora essas também devessem ter a independência intelectual suficiente para distinguirem aquilo que se deve fazer do que não se deve fazer). 
Há uma cadeira engraçada e francamente pouco útil na faculdade chamada Teoria da Notícia, em que é suposto ensinarem-se coisas como o que é o Lead, como se constrói uma notícia simples, que material tirar e aquele a incluir na publicação final. Confesso que não a tive, mas também admito que olho em volta e não vejo em que é que essa mesma cadeira possa ter sido útil para a geração que hoje em dia, forma o quadro de profissionais responsáveis por manter são, aquilo que Mário Mesquita chamou de Quarto Poder. Em Teoria da Notícia, deviam ensinar o que fazer, mas também o que não fazer dentro de uma redacção (mais precisamente no momento da publicação das notícias).
Tendo já referido a grande desilusão com que me tenho deparado relativamente ao estado do ensino nas academias portuguesas de ciências sociais e correndo o risco de me repetir, adianto apenas que acho inadmissível que sejam feitas comparações 'racistas' deste género. 
Isto tudo para vos tentar avisar da ironia mordaz com que Pedro Boucherie fala dos portugueses. Detentor de um dom para a escrita, o autor de Cemitério dos Prazeres consegue fazer-nos franzir a sobrancelha de espanto por lermos tantas coisas sobre as quais nunca havíamos pensado e ao mesmo tempo, rirmos à gargalhada por coisas que são realmente muito nossas, muito próprias. Um livro muito pouco cheia de elogios mas ainda assim, muito 'nós'. 

sábado, 18 de fevereiro de 2012

A luz da madrugada

Com os olhos ainda fechados, percorri a cama com as mãos na tentativa de te encontrar para me confortares. Quando fechei as palmas e encontrei apenas o vazio do teu lado da cama, procurei-te pelo quarto escuro. Não estavas. Pensei em não me preocupar e simplesmente virar-me e continuar no planeta dos sonhos. Mas não consegui, estava sozinha e fazias-me falta.
Corri o quarto escuro com o olhar, mas mais uma vez, não te encontrei. Já preocupada, senti a necessidade de me levantar, abrir a porta e procurar-te pela casa. A luz do luar estalava-se-me nos olhos, cegando-me momentaneamente. O caminho até à sala era cheio de altos e baixos, tinhas livros e mais livros e umas coisinhas insignificantes espalhadas por todo o lado. Começou a cheirar a tabaco e um fumo espesso já entrava pela cozinha dentro. Um perfume demasiado forte para ser apreciado a esta hora da madrugada. Agora já sabia o que estavas a fazer e apetecia-me voltar para a cama. Ainda assim, queria ver. Estava a fazer o caminho ao contrário e detive-me. Fui à sala. Encostei-me à ombreira da porta e lá estavas tu. Era tão bonito apreciar-te. Sempre adorei apreciar-te. Quem me dera que fosses sempre assim. Tão dedicado, tinhas-lhes uma paixão tão grande. Lá estavas tu, como em noites passadas. A luz que entrava naquele 3º andar tinha uma cor agradável, quase convidativa. Era de um vermelho escuro brilhante. Lá estavas tu. Passavas uma mão no cabelo e com a outra, seguravas um cigarro com a cinza por bater. Imerso no que estavas a fazer, nem paraste para pensar de quem seriam os passos de quem se aproximava. Lá estavas tu. Com o livro pousado no colo e as pernas empoleiradas em cima do varandim, lias histórias de pessoas inquietas com uma paz de alma que raramente é tua característica. Lá estavas tu. A luz era realmente agradável, principalmente quando acertava mesmo no teu tronco nu. Já havias batido o cigarro e a cinza jazia agora dentro de um pequeno cinzeiro de metal que te ofereci para situações como esta. Como era perfeita aquela visão de ti a leres, tão sereno, que quase me esquecia que tens defeitos. O vidro da janela estava aberto porque fazia calor naquele minúsculo apartamento que era todo muito teu. Passou uma brisa gelada, tão fria que te fez arrepiar. Mas ainda assim, lá estavas tu. Não paravas para pensar, para olhar, não paravas para mais nada sem ser para ler. Não queria quebrar aquele momento. Queria tanto congelar esta tua imagem na minha cabeça, que não queria sequer mexer-me para que tu me notasses. Pé ante pé, voltei para o quarto, e ao pensar na luz vermelha que entrava pela janela e no teu livro de colo, só desejei ter o privilégio de ser para sempre tua, nunca ser de outro alguém. Nunca me deixes pelos livros. Deixa-me estar aqui dentro da tua cama, da tua casa, da tua rua. Deixa-me estar perto de ti e dos teus pensamentos. Eu, tu e os livros. Pode ser? Diz que sim, por favor, diz que sim. 

sexta-feira, 3 de fevereiro de 2012

Se quiseres, podes perdoar-me

Lá estavas tu, com o mais típico casaco de todos os tempos, a fumar um cigarro junto à coluna. Desta vez, a coluna não era a do paradise garage, mas sim do café do castelo. Combinámos ali porque sempre tiveste um fascínio desmesurado por aquele sítio, uma daquelas paixões que se tem por coisas que nunca se conheceu. Como eu pelo Brad Pitt, por exemplo. 
Antigamente não fumavas. Não usavas casacos típicos. Não trocavas uma coluna por outra. Antigamente eras meu e hoje... Bem, hoje não sei bem de quem serás. 
Conta-me tudo, não me escondas nada. Diz-me com quem andas, dir-te-ei quem és. Fantástico como só me ocorrem expressões coloquiais para quebrar um gelo que já foi fogo. Apetece-me abraçar-te como sempre e falar sem parar como sempre. Como antigamente, continua a apetecer-me beijar-te mas nunca fazê-lo, como sempre. 
Ahh cá está. O sorriso realmente é uma coisa que nunca muda. Permanece igual durante anos a fio. Mas notei que sorris menos. Tá certo... Agora fumas, usas roupa da moda e não sorris. 
Oh, isto. Sim, mas já uso franja há uns anos, dá-me um ar mais novo do que aquele cabelo compridão sem forma que eu usava, lembras-te? Isso, eu sabia que te ia fazer rir.
Empresta-me isqueiro. Quer dizer, não sei se quero. Quero fumar, mas não quero que me dês isqueiro. Na minha cabeça, tu ainda não fumas. Depois de jantarmos já mo podes emprestar, já te vou conhecer melhor. Sim, porque agora não sei se te conheço. Serás mesmo tu? Reconheço a voz, reconheço o sorriso e as mãos, que sempre me meteram um medo imenso, tu sabes disso. Grandes e constantemente roídas. É verdade... Ainda não deixaste esse vício irritante? Eu deixei-o aos seis anos, como bem sabes. Desculpa estar a trazer coisas do passado, mas sinceramente, se não falarmos do que já passou, vamos falar de quê? Não sei quem são os teus amigos, se tens namorada ou não, o que fazes da vida. Se bem me lembro, nunca foste de fazer o que quer que fosse. Desculpa, mas não sei falar de coisas que desconheço.
Sim, é claro que o presente interessa, mas porque é que insistes tanto em deixar o passado no seu lugar? Magoa-te pensar no que aconteceu? Ou magoa-te mais pensar naquilo que não aconteceu? É que para mim é-me igual, dói igual. Aliás, posso-te dizer uma coisa que acho ser um segredo? Estou para aqui a direccionar-nos para o passado, porque não quero saber do teu presente. 
Eu sabia que ias concordar comigo. Concordas sempre. Pedíamos sempre a mesma coisa: 'É uma torrada e um galão, por favor', lembras-te? Depois vinha aquela eterna discussão no momento em que eu ia fumar o cigarro matinal e tu punhas-te a barafustar comigo, uma exposição detalhada dos malefícios do tabaco e seus constituintes. Para ser sincera, já nem me lembro do que dizias ao certo. Ainda continuas a ter aquelas tuas ideias pseudo revolucionárias, de fazer do mundo um sítio melhor e essas tretas? Sim, claro que são tretas. Questiono-me se alguma vez acreditaste verdadeiramente em todos os disparates que dizias...
Não, os meus dentes não estão mais brancos, estão na mesma. Ai, desculpa, mas sabes que odeio quando te pões com essas suposições vindas de lado nenhum. Óbvio que os meus dentes não estão mais brancos, nunca poderiam. Fumo há mais de quinze anos como bem sabes, o mais que podem estar é iguais. Bem, estou um bocado aborrecida de estar aqui ao frio, só porque te deu na cabeça vires apreciar o teu querido castelo. Vamos jantar, tenho fome. Se calhar até quero que me contes tudo durante o jantar. O antes e o depois. Quer dizer, só o depois, que o antes já eu sei, eu estava lá para saber. Fiz parte de um antes e se quiseres, posso fazer de um depois... Ao combinarmos cafés e jantares, claro. Não quero que penses nada de mais. É isto assim e nada mais. Não queiras pensar mais do que isto, porque senão estragas tudo e acredita que eu não volto para tentar. Não depois de quinze anos. 
Que os teus olhos não me tentem, que os teus lábios não me chamem, que aquele teu perfume barato não me faça fazer-te coisas das quais te vais certamente arrepender. 
Vá, acaba lá de fumar esse cigarro que quero jantar. Só não te esqueças que eu fico na cadeira do lado da parede, é mais confortável. Sim, também duvido que te esquecesses depois de tantas vezes que respinguei contigo, por ficares com o meu lugar.
Oh, olha a música que está a dar... Pronto, pronto, não precisas de olhar assim para mim. Sempre que a oiço, rio-me em vez de chorar. Sim, admito que dantes chorava em vez de me rir. Sabes uma coisa? Passado algum tempo, os momentos deixam de estar frescos e podes fazer das memórias o que quiseres. Em vez de me lembrar o nosso fim, lembra-me sempre do nosso início. Percebes agora porque é que me rio?  
Bem... Queres pepsi à refeição, certo? Que irritante, sempre diferente das pessoas normais. Toda a gente prefere coca-cola e depois vens tu e dizes que só gostas de pepsi
Vá, quero saber o teu presente enquanto esperamos pelos pratos. Distrai-me com vulgaridades, não quero ser forçada a lembrar-me de um passado que me obrigaste a esquecer.

And still

Her life was a mess, but still she tried to take another step forward.
His life was a mess, but still he tried to take that step forward with her.
She loved him and still, she never learned how to do it.
Just like her, he loved her too, just didn't know how to.
They were both taught that it was never too late, but they both knew it was already too late.
'Hope is hopelessness', she used to say.
He was too junky for her, too young for her, too reckless for her, too careless for her.
She was too snob for him, too old for him, too full of bullshit for him, too bright for him, too sure of everything for him.
They were perfect for each other, that's what they were. And still, they blew it.

quarta-feira, 1 de fevereiro de 2012

Felicidade Camuflada

Nem sempre se tratou de uma espécie de contrato social, mas a vida ensinou-o assim: é preciso saber fingir para ser feliz. No fundo, a vida não passa de um 'faz de conta', daquele que jogavam quando eram crianças, em que tudo era uma farsa, um escape. Na verdade, o seu escape de outrora tornou-se a sua realidade de hoje em dia.

Made in China

Nunca parou de pensar no que poderia ter sido se fosse. Se se aproximasse mais um pouco e arriscasse.

O problema foi nunca saber como arriscar. Não iria suportar mais um 'não', mais palavras atiradas contra um muro. As palavras caíam no chão e despedaçavam-se como se de pedaços de vidro se tratasse. 

Era cruel o que ele lhe fazia. Parecia fazer-lhe mal ao não aceitá-la, mas ao mesmo tempo, a sua presença trazia a garantia de um sorriso sempre que se viam. 

Perguntou-se se ia sempre ser assim. Sim, ia. Porquê? Assim, ia ser sempre mais seguro, sempre mais cómodo, sempre mais fácil. Ainda assim, era frágil e quebradiço, vidro rasco de uma qualquer marca chinesa.

domingo, 22 de janeiro de 2012

Um bom vinho tinto


O percurso sempre se assumiu longo, mas não preocupante. Nunca preocupante, aliás. Sempre quis um namorado daqueles a sério, que prometem mundos e fundos e ficam para sempre. Vislumbravam-se três filhos, dos quais duas raparigas e um rapaz, todos com idade aproximada e educados com valores de bondade e pureza. Andariam em grandes faculdades e teriam grandes profissões, tal como o pai. A mãe, que também tinha tirado um curso superior acabaria a trabalhar em casa, atarefada entre roupa de cama, lanches para os miúdos e o engomar das suas fardas.
O barulho do comboio que passava quase por baixo de sua casa exactamente às mesmas horas todos os dias e noites, fez com que os seus pensamentos se dispersassem e só lá ficou ela, a olhar pela janela, para aquele mar de gente. Gente descuidada e apressada para nada, o nada que imaginava serem as suas vidas. Há medida que o estrondo do comboio se dissipava no ar, os pensamentos voltavam ao lugar para mais uma vez remexerem num passado que nunca chegou a acontecer, uma realidade paralela que outrora fora ideal. 
O presente não se dava ao luxo de fazer sonhar. Dava-se sim, ao luxo de fazer viver. Os dias eram passados em frente ao computador, onde era frequente ver-se uma janela que exibia relatórios de contas e outra aberta num qualquer tipo de rede social. De tempos a tempos, o chefe passava e gritava desesperadamente pelos ditos relatórios, ao mesmo tempo que a rede social emitia apenas silêncio, denunciando a falta de comunicação que ela tinha com o mundo. Cinco horas da tarde era a hora desde há muito escolhida para arrumar a secretária e sair. Os saltos altos que se seguiam meias de vidro pretas, ecoavam pelo grande parque de estacionamento subterrâneo, pelo qual todos os dias passava para pegar no carro e seguir para as infindáveis e imprevisíveis filas de trânsito até casa. Mais uma vez, a casa estava vazia e era também mais outra vez que ela desejava que alguém lá estivesse à sua espera, segurando dois copos de bom vinho tinto e uma panóplia de aperitivos. Isso sim, ‘isso conduziria a demoradas horas de conversas’. Costumava ler muito no tempo livre, mas não tinha com quem partilhar as suas conclusões e por isso aborreceu-se. Consigo mesma e com os livros, que pareceram perder o entusiasmo, que agora se concentrava constantemente na televisão. Nunca tinha ninguém específico em mente, apenas um alguém sem identidade. Era assim que pensava agora, mas nem sempre havia sido. Antes, os planos delineavam uma família de cinco, com muitas alegrias e poucos dissabores, numa casa virada para o mar, em que o sol nunca se punha cedo. Era esta a sua realidade paralela de um outro tempo, de outro espaço. Hoje, os pensamentos baixaram a fasquia e a família já não se queria de cinco, mas sim de dois. Não se queria uma casa virada para o mar, mas sim duas onde pudessem viver separados, juntando-se apenas para queimar horas que justificariam como ‘relaxantes’. Por mais que ela quisesse que isso fosse uma realidade intangível, não o era e ela sabia-o. Era possível como tantas coisas são, o problema estava no que as pessoas diziam. Veriam nela uma transgressora de regras impostas pelo tradicionalismo e conservadorismo que regulava o conjunto das suas amizades. Todos tinham casado e tido quatro ou cinco filhos. Vestiam-se as crianças de igual até estas terem idade para ripostar, tratavam a mamã e o papá por você e eram contratadas amas a tempo inteiro, ‘para que os meninos sejam sempre bem tratados’. 
Toda aquela teoria da família bem sucedida que tinha pena de quem seguia um caminho que não era considerado o certo, provocava-lhe náuseas e hoje em dia, sentia-se cada vez mais distante de tudo aquilo. Tão distante, que a vontade de comparecer aos banquetes educados e festas comedidas era pouca, quase inexistente e por vezes até nula. Todos pareciam ter crescido demasiado depressa, com medo que a maioridade se dissipasse.
Muitas eram as vezes em que dava por si deitada no sofá a sorrir, por se imaginar a interromper uma daquelas exageradamente elegantes festas, para fazer um discurso muito pouco adulto. Queria mostrar-lhes que estava viva e de boa saúde, que gostava do seu emprego, de onde morava e do seu companheiro sexual. Irritava-a toda aquela pose de quem tem os bolsos cheios de dinheiro e de inteligência porque no fundo, sabia que tudo aquilo fora provocado por uma série de azares, consequências que a cobardia abafou, vencendo o destino. O sorriso esvanecia-se em seguida, por pensar que todas essas palavras seriam bem merecidas, se não fossem mentira. 
Ainda assim, preferiu continuar a sorrir , ao lembrar-se de como seria o seu inabalável discurso. Com um copo de vinho na mão, arrepiou-se ao imaginar-se casada. Ainda assim, a sua espinha contorceu-se ainda mais ao pensar que ficaria sozinha. Encarava o casamento como uma cruz vitalícia, mas a solidão é que não, isso é que não.

quinta-feira, 19 de janeiro de 2012

Somos aquilo que vivemos

As coisas da vida não são muitas vezes baseadas em escolhas aleatórias. Raramente em favor daquilo que queremos, em detrimento do que precisamos. Não escolhemos o curso X porque não dá emprego, não escolhemos uma casa no campo porque um dia vamos precisar de viver na metrópole. Não escolhemos a pessoa Z porque não nos parece seguro. No final, acabamos com uma pessoa a quem até já nos conseguimos habituar, numa casa que não é o nosso lar e a trabalhar num qualquer tipo de coisa que odiamos. 
Isto é comodidade, não é felicidade. Há quem diga que a felicidade é subjectiva e que se aprende, mas eu não acredito nisso. O mais frustrante no meio disto tudo, é que um dia tivemos o descaramento de prever o futuro e o tiro saiu-nos pela culatra. 
Nunca tentem passar a perna ao futuro, porque há-de sempre saber mais que nós e acabar por se rir na nossa cara; Sempre que puderem, voltem atrás para fazer melhor. Tentem vezes sem conta, estoirem dinheiro a viajar pelo mundo inteiro, estudem o que mais vos interessa e ganhem dinheiro a fazer o que vos dá mais gozo. Escolham uma pessoa a curto-prazo, para uma relação a longo-prazo: as pessoas têm tendência para serem mais espontâneas quando as coisas parecem efémeras - têm tempo para se sentirem seguros e confortáveis quando estiverem no entas. Percam a cabeça com sentido e façam coisas das quais se vão lembrar para o resto da vida. Ponham de lado tudo o que é irrelevante e abram o jogo sempre só com o que importa. Existe sempre uma solução para tudo; pode é nem sempre ser a melhor. Sejam variados em todos os aspectos, tenham uma sede constante de informação e leiam boa ficção sempre que possível - embora todos os romances façam sonhar, só os bons fazem sonhar com qualidade. A monotonia é desde já inaceitável. 
Ah sim... Odeiem coisas previsíveis e pessoas previsíveis. Acima de tudo, odeiem futuros previsíveis na literatura, na música e no grande ecrã, porque são grandes motores intelectuais e se eles próprios nos ensinam mal, como podemos nós aprender bem? Odeiem as pessoas que prevêem o seu próprio futuro e odeiem-se a si mesmos, se o fizerem.

domingo, 15 de janeiro de 2012

Nomeia-se quem deve

Realmente há com cada uma...! O programa 'Eixo do Mal' da SIC Notícias, que deu no passado sábado por volta da meia noite, resumiu o principal e mais grave mal da sociedade portuguesa e do seu governo: o clientelismo e os caciques que por cá existem. 'As nomeações' foram o assunto da ordem desta última semana (já nem digo do dia) e têm realmente muito que se lhes diga. Sempre munido da sua autoridade e da sua modéstia (que é nenhuma), Catroga afirma ter direito ao chorudo ordenado que vai começar a receber, agora que pertence à direcção da EDP, comprada recentemente pela empresa chinesa Three Gorges. Ora, tal como a já conhecida quadrilha do 'Eixo do Mal' disse, esta é uma das mais graves afrontas por parte do governo PSD, maior até do que o corte dos subsídios dos portugueses. Como não poderia deixar de ser, concordo plenamente com isto, que é uma terrível afronta. Porque há-de Catroga receber cinco e seis vezes mais do que muitos portugueses que se matam a trabalhar? Desconheço o tipo de trabalho que será por esta personagem desempenhado, mas duvido que exceda em muito, o de milhares de outras pessoas. 
Outra das questões que me fez pensar foi a constante troca de dirigentes de empresas que já é da praxe, no momento em que um novo governo é eleito. Nunca consegui perceber esta teimosia de trocar dirigentes, em favor do governo/partido vigente. Uns dizem que é deve ser feito sim senhora, em favor de uma maior coesão, se essas mesmas empresas forem de cariz público e outros dizem que não deve ser feito, porque apenas irá fortalecer as relações de clientelismo que todos nós já bem conhecemos. Favores são a moeda de troca mais usada em Portugal e se o euro acabar por desaparecer, o escudo não vai ser preciso, porque os favores são bem mais valiosos e conseguem muito mais coisas. Sábado disse-se que o problema de Passos Coelho são os dias de hoje, que são por si passados a pagar dívidas àqueles que o ajudaram a subir ao poder nas últimas legislativas. Assim, passa os dias fazendo favores e muitos deles vieram agora à tona, com todo o cenário das 'nomeações'. O mais escandaloso dos casos foi o de Manuel Frexes, antigo presidente da câmara do Fundão e devedor de vários milhões à Companhia das Águas de Portugal. Ora eis que se anteriormente era presidente de uma câmara devedora às águas de Portugal, Passos Coelho decide senão colocá-lo na direcção desta mesma companhia, provavelmente com o propósito de pagar a sua dívida em horas de trabalho, certamente. 
Situações como estas são altamente inaceitáveis e digo-o não como opositora ao partido - porque já de várias vezes concordei com algumas políticas do governo, que visam a estabilização das contas do país - mas como cidadã portuguesa. Actos como este levam-me a pensar que não resta esperança para aqueles que aqueles que são bons no que fazem, a não ser que tenham cunha. As cunhas são a nova moeda de entrada no mundo do trabalho, tanto para os mais jovens, como para os mais velhos.  Muitos de nós acabam por não mostrar os seus dotes de dirigentes, bons economistas ou advogados, em detrimento de favores e dívidas que Passos Coelho se acha no dever de pagar. Chato é que todos precisemos de ser filhos de pessoas como Catroga ou Frexes. Isso sim, é que é chato. 

terça-feira, 10 de janeiro de 2012

Entre quatro paredes

O tempo era só mais uma coisa. Uma coisa, insignificante, tão pequena! De todas as coisas que importavam, o tempo não era uma delas. As palavras sim, eram importantes, cruciais até. Faziam do mundo um lugar melhor e pior, simultaneamente. Afectavam relações e a forma como funcionavam, eram elas que ditavam tudo. Deitado na cama, pensava que os homens eram demasiado básicos e que era por isso mesmo que as mulheres não os percebiam. 'Complicada como ela é, vai achar que quero acabar tudo', mas não era isso que ele queria. Ele queria saber, saber o que esperava dela a longo prazo, mas bem sabia que as relações não eram coisa de ser pensada a longo prazo. Um dia de cada vez sempre foi o seu lema de vida, mas a vontade que tinha de a agarrar, de a beijar e de simplesmente estar com ela, fazia-o duvidar da veracidade desse lema. Estar com ela era o que ele queria, mas não tê-la se não fosse para durar, isso já não era vida para ele, 'isso é coisa de putos, de gente imatura'. Era agora ou nunca. Ou ia querer para sempre, ou nunca mais ia querer. Ou melhor dizendo, nunca mais ia poder querer. Sim, porque depois de ditas as palavras, não há como voltar atrás, isso ele sabia e nada ia mudar. Ele já sabia. Ela ia dizer não e uns meses mais tarde ia arrepender-se, ia ter noção do que perdeu e nessa altura, mesmo que ele estivesse sozinho (sim, porque ela era a única que ele queria para sempre), não ia aceitá-la, porque nada podia interferir entre si e o seu orgulho. 
'Finalmente!', exclamou quando a campainha tocou, ao mesmo tempo que o seu estômago se contorcia ao pensar que seria ela à porta e o que responderia quando ele perguntasse. De repente, viu-se preso num cenário horrível e só as palavras o podiam resgatar. Ela estava sentada com as pernas cruzadas, posição típica que tomava sempre que chegava àquela casa. Estava descontraída, à espera de mais do mesmo, de mais daquilo que sempre foi, de mais paixão assolapada e de nada mais. Pegou no comando para ligar a televisão, mas ele impediu-a. Agarrou-lhe o braço e calmamente, colocou o comando na mesinha de centro. Estranhou, mas não se mexeu para o buscar. Ele encheu-se de coragem, de toda aquela que conseguia imaginar e pensou de depois de proferir as palavras, nada mais podia fazer senão ouvir. Mas agora não, agora restava-lhe falar e não ouvir. Disse tudo, tudo o que sentia e tudo o que não sentia. O que queria dela e dele, o que planeava para os dois, aquilo que via ser a felicidade de 'um dia'. A palavra sagrada não foi dita, porque esperava a resposta dela.
Serena como sempre foi, olhou-o nos olhos, como quem diz 'estás louco, o que andaste a beber antes de eu chegar?'. Soltou uma gargalhada tão verdadeira, que ele próprio começava a acreditar que estava a delirar. Manteve-se calado, esperando a tal resposta. Percebeu, ela finalmente percebeu. Que era a sério e que infelizmente para si, era para sempre. Ele falou-lhe de viajarem e de viverem juntos e ela só conseguia imaginar a vida a dois entre as quatro paredes que eram o quarto dele, numa cama que sempre foi deles, que estava para sempre manchada com o suor de uma paixão que ela não queria que passasse mesmo disso, de uma paixão. Sempre foi serena, mas agora estava assustada e com medo, um medo que a sugava para dentro de si mesma, que a corroía e a mandava fugir. Levantou-se abruptamente e só disse 'eu não consigo fazer isto agora. Agora não dá', dirigindo-se para a porta e impedindo sempre que os seus olhares se cruzassem. Agora era ele que estava sereno. Sereno por ter explodido de palavras, aquelas que sempre quis dizer enquanto ela só queria a paixão. Ele pegou então no comando e ligou a televisão. Deitou-se no sofá enquanto o bater forte da porta ecoava pela casa. Não lamentava nada, mas gostava. Gostava de poder lamentar, mas não o fez porque sabia que não tinha esse direito. Tinha dito tudo o que queria e ela tinha ouvido aquilo que não queria. Não queria pensar mais nisso, mas os pensamentos assombravam-no e ensurdeciam as vozes da série televisiva. Entre pensamentos e vontade de lamentos, a campainha voltou a soar. Seria certamente o carteiro que trazia uma encomenda. Abriu a porta e sentiu-se de novo vivo. Ela voltou para pedir desculpa. Por tudo aquilo que não disse e não fez, por tudo aquilo que lhe fazia ter medo. Cruzou os olhos propositadamente e mais nada a parou, nem o sentimento de arrependimento que pensou ter nos momentos a seguir. Aquele quarto que sempre foi deles, cheio daquela paixão só deles, fê-la perceber que havia mais do que aquele quarto. O tempo que passavam na cozinha a jantar, na sala a conversar e na casa de banho a partilhar momentos de higiene entre a lavagem dos dentes e um duche rápido fê-la perceber que havia mais do que a paixão. E foi por isso mesmo que a seguir pegou no comando, desligou a televisão e permaneceu naquele 'ali' que agora era todo só deles, naquele conjunto de paredes que não eram só quatro e que não continham só paixão.

segunda-feira, 9 de janeiro de 2012

Pedra no sapato

Nem todos os dias eram maus. Nos dias em que ele se lembrava de a mimar e dizer 'amo-te', tudo corria bem, mas o problema estava na periodicidade com que esses dias apareciam. Um pouco como ele, eram raros. Eram escassos e essa era a razão pela qual ela os aproveitava ao máximo, sem questionar nem ripostar. Acreditava que se ripostasse, tudo iria por água abaixo e os dias que eram raros, tornavam-se inexistentes, embora ela soubesse. Dentro de si, rugia um ódio enorme por todas aquelas que eram melhores que ela, que ocupavam o resto dos dias e que não conheciam a escassez, mas sim a abundância de tempo. Assim, os seus dias eram passados a pensar como seria da próxima vez, se seria melhor que da primeira, se ele se lembraria dela para sempre. Tinha um emprego que lhe agradava, mas precisava sempre daquele ponto final, aquele pequeno e aparentemente insignificante ponto final que faz com que os dias pareçam melhores, só porque sim. E depois voltava a lembrar-se. O ponto final era também um pedra no seu sapato e em vez de se querer lembrar dele como parte da perfeição, queria lembrar-se dele como isso mesmo, uma pedra no sapato, dispensável e descartável. Então era assim que o enfrentava, era assim que todos os dias lhe abria a porta, com uma forçada indiferença que gritava 'eu não gosto de ti'. E a verdade era mesmo essa: ela não gostava dele, apenas gostava muito da ideia que havia feito dele, já no início daquela paixão. Embora ela soubesse que as outras iam ser sempre melhores do que ela, iam sempre agradar mais ao olhar, iam sempre mostrar ser mais inteligentes, mais modernas. No fundo, iam sempre ser mais mulheres, mais dignas de estar com ele do que ela alguma vez ia conseguir sequer parecer ser. 'Um dia deixas de existir para mim, faço de conta que morreste', imaginava-se dizendo, sempre que fumava um cigarro esticada na cama. O fumo dava vontade de divagar e pensar como seria se estivesse noutro espaço, noutro tempo. Como seria se lhe dissesse para nunca mais voltar, que estava tudo acabado. E impreterivelmente vinham os outros pensamentos... Como seria se ele também estivesse, tal como ela, noutro espaço, mas no mesmo tempo? Não se cansava de imaginar o quão felizes seriam. O cigarro apagava-se num dos intervalos entre os pensamentos e a mente voltava-se de novo para o trabalho, aquele que lhe ocupava dias quase inteiros. Ela ficava imersa numa onda de contas e de planos de publicidade e prazos apertados para a invenção de slogans de uma nova máquina de lavar roupa. Hoje em dia, ainda pensa 'como seria', esquecendo-se sempre que 'um dia' ia abandonar a imagem dele da sua mente. Feliz ou infelizmente, nem ontem nem hoje foi o dia. De uma forma ligeiramente distorcida, ele fá-la feliz, porque lhe mostra que existe felicidade para além da publicidade. Hoje ele fê-la feliz. "Talvez amanhã seja diferente, talvez amanhã a escassez não me chegue, talvez perceba que a traição não é coisa pequena, que é aflitivo estar na sala com ele e mais dez mulheres, todas elas invisíveis, mas dolorosamente presentes", pensou. Tal como o fumo do cigarro que se preparava agora para acender, todos esses pensamentos de um futuro melhor se desvaneceram como sempre acontece, para darem lugar a uma esperança que não dá frutos. Como sempre acontece.

domingo, 8 de janeiro de 2012

Parar é morrer

Pensou em não pensar. Em não querer. Depois pensou que melhor que pensar que não queria, era pensar que não podia. 'Se não puder mesmo, então não vale a pena querer', mentalizou. No seu interior, os pensamentos não paravam de esvoaçar, de se cumprimentarem uns aos outros como se nada fosse. E o problema estava nisso mesmo; é que não eram apenas projectos mentais, eram muito mais do que isso. Assombrava-a a ideia de ter que parar porque nunca o fez. Sempre foi aquele tipo de pessoa que nunca parava para pensar e tudo saía automaticamente e curiosamente certo, sempre certo à primeira. Mas finalmente aconteceu, sem mostrar sintomas nem assinalar a sua chegada. O dia em que não parou e nada saiu certo à primeira.. Nem à segunda nem terceira. Desde o momento que descia o lobby do prédio, até que se deitava já de madrugada, debaixo do edredon de penas, tudo era como sempre foi e a rotina era um dado adquirido. Os dias passavam a correr e não havia lugar para intervalos. A vida dela não tinha intervalos. Era como um daqueles filmes dos cinemas Lusomundo. Naquele dia, a rotina pregou-lhe uma rasteira e ela não soube saltar por cima. Caiu de cara num chão que era a realidade de quem não planeia, daqueles que jogam pelo inseguro e não pelo seguro. A multidão amontoava-se a um ritmo frenético e ouviam-se vozes 'Acho que foi um carro. Veio com velocidade e passou-lhe por cima, mesmo quando ela estava a sair do prédio'. Não mexia os membros e não mexia os lábios esfolados e ensanguentados. Os pensamentos jorravam sem querer parar e o sangue sujava o alcatrão enquanto os segundos passavam. O brilho dos seus olhos foi-se desvanecendo, bem como os pensamentos. Despediram-se uns dos outros para nunca mais voltarem.
Um dia quis parar. Esse dia finalmente chegou e ela só queria poder não parar. 

quarta-feira, 4 de janeiro de 2012

Sabe a soul e cheira a funk




Dizem-se “portugueses de uma cidade chamada Lisboa, num continente chamado Europa, num planeta chamado Terra”. Querem criar um novo percurso dentro da música portuguesa e são uma lufada de ar fresco acompanhada de ritmos de jazz e hip hop. Os membros da banda portuguesa Orelha Negra conheceram-se ao longo das digressões de Sam The Kid por Portugal e o primeiro álbum da banda saiu para as ruas em 2010 com o mesmo nome. “Orelha negra” é baseado em sons do soul e funk dos anos 60 e 70 com ritmos de hip hop e sampling à mistura.
Em entrevista ao site www.bodyspace.pt, Fred Ferreira (dos Buraka Som Sistema) e o DJ Cruzfader explicaram que o curso das músicas não é planeado, é tudo feito de improviso, o que dá fluidez e continuidade às faixas do álbum, lembrando um pouco aqueles que fazem jazz. “Orelha negra” é o primeiro e único álbum conhecido da banda de nome homónimo. As músicas falam de amor, amizade, mágoa e de uma saudade muito portuguesa. Para o sampling, os membros optaram por escolher registos de que não se estaria à espera: a voz de Fernando Tordo ou do apresentador televisivo Júlio Isidro. “Memória” (a primeira música do álbum) é um manifesto que marca bem a mensagem dos Orelha Negra e, segundo Rafael Santos, crítico do site bodyspace, “é a esperança na
lembrança e no melhor que a alma tem para dar” ao mais exigente dos melómanos. Ainda na entrevista ao site de crítica musical, a banda disse apreciar a ideia de semi-anonimato por achar que “cria um distanciamento das pessoas e uma aproximação mais directa da música”. Para reforçarem esta ideia, os Orelha Negra decidiram usar a técnica de ‘sleeveface’ para a capa do disco de estreia: ninguém é quem na realidade lá está. O grupo criou mais de 80 esboços iniciais antes de escolher as 12 faixas que deram origem ao álbum. As músicas da banda de Sam The Kid, Fred Ferreira (Buraka Som Sistema), Francisco Rebelo, João Gomes (Cool Hipnoise) e DJ Cruzfader não têm um contexto ou tema específico, mas o ritmo está bem presente. Durante a entrevista, Fred Ferreira disse que embora seja complicado atrair público através de algo mais instrumental que vocal, o feedback tem sido bastante positivo, e a verdade é que o estilo e o ritmo próprio da banda já começam a ser identificados pelo público que está na linha da frente dos concertos de Verão. Rafael Santos diz ainda que o disco de estreia dos Orelha Negra é “mais que o mero desfile de pedaços de história captados pelo equipamento que revolucionou as técnicas de produção musical. Há uma dinâmica ‘live’ que reforça a missão do colectivo na divulgação da missiva”. Estamos de acordo. Perguntaram aos membros da banda o que fariam se tivessem de escolher entre só gravar discos ou só dar concertos. Resposta? Dizem que preferiam gravar um álbum ao vivo. Ainda que não seja gravado ao vivo, a banda de Sam The Kid e DJ Cruzfader já está a preparar o próximo disco, para dar a conhecer já este ano.

PUBLICADO NA EDIÇÃO DE 19 DE AGOSTO 2011 DO JORNAL PONTO FINAL

Let's give it to Annie

Anne Hathaway está cada vez mais versátil nos papéis que tem vindo a desempenhar. Gostava dela, mas entretanto armou-se em boazinha em 'Alice in Wonderland', e acabei por ficar aborrecida. Depois veio a sua fase de predadora sexual, com 'Love and Other Drugs' e eu voltei a apaixonar-me pela sua forma de representar. Juntamente com Jake Gyllenhaal, lutam por uma boa qualidade de vida (se é que assim se pode chamar) de uma mulher com Parkinson, que é representada pela então inovadora e surpreendente nova faceta da actriz Anne Hathaway. Depois de muito choro compulsivo e lenço usado, achei que estava na altura de ver uma coisa assim mais ligeira, menos cheia de drama e melancolia. Ai.. quão enganada estava eu... 'One Day' acabou por ser o romance mais bonito e mais dramático que alguma vez vi. No final recomeçou o choro (quando virem o filme, vão perceber que não é defeito meu) e eu continuava sem perceber bem onde estava a beleza que tanto me havia entusiasmado o filme inteiro, ou seja, não sabia distinguir que parte ou que característica haveria no filme para eu ter gostado tanto. E finalmente percebi: Não é apenas uma coisa, são várias. Estão a ver as paisagens que todos elogiam em 'Eat, pray and love'? E as pracetas e sotaques europeus, próprios de todos os filmes de espionagem onde existe gente francesa e britânica? Bem, e um pouco como em todos os dramas românticos, não deixa de faltar muito amor e coisas que tal. E não é que quando o espectador já está farto de tanto mel, a coisa apimenta com um pouco de erotismo fugaz, festas e bebedeiras? A início, a música parece ser um dos carrascos do filme, por ter traços de melancolia e tristeza, mas de repente, começam a ecoar algumas boas músicas conhecidas, como uma ou outra dos soon to perform at Lux Frágil, Fatboy Slim. Para tornar o visionamento desta peça num momento delicioso de cinema, falta ainda dizer que a linha cronológica traçada em '500 Days of Summer' também existe, o que impede que o filme se torne vazio, sem sentido temporal - não posso deixar de dizer que a caracterização das décadas representadas, também está brilhantemente feita.
Bem, correndo o risco de desembuchar dois ou três spoilers, deixo-vos apenas o trailer e garanto que se estiverem virados para o gasto desmesurado de kleenex, então 'One Day' é o drama ideal.




terça-feira, 3 de janeiro de 2012

Diz-se que é uma espécie de Apartheid


Israel está a ver um retrocesso no pensamento social dos seus cidadãos, com o grupo de judeus ultra-ortodoxos a criar cada vez mais conflitos. Mais grave do que a vontade de afirmação por parte de um grupo, é aquilo que esse grupo quer afimar. "Os fundamentalistas querem as mulheres sentadas na parte de trás dos autocarros, que caminhem em passeios específicos e façam compras em determinadas horas, práticas rejeitadas pela principal corrente judaica", avançou a Euronews. Quando ouvi as notícias mais recentes, não estava a compreender muito bem o que estava a ser dito e acho que em grande parte, porque não queria acreditar que tal podia acontecer em pleno século XX. Um grupo de fundamentalistas religiosos diz ter vontade 'legítima' que as mulheres sejam segregadas socialmente, dando a entender que são portanto, o sexo mais fraco, quase insignificante. Parece que o novo método de segregação dos ultra-ortodoxos é feito por via da vassourada, atitude com pés e cabeça, com certeza. Seria de esperar que hoje em dia, este tipo de pensamentos fossem já impensáveis, devido aos avanços sociológicos que têm ocorrido nas últimas décadas. Uma das etapas históricas a não seguir como exemplo, deveria ser o Apartheid e sinceramente, foi para isso que me remeteu automaticamente, estas recentes manifestações por parte dos fundamentalistas. Para além da marginalização da mulher, outros ideais muito pouco característicos daquilo que conhecemos como 'democracia', se erguem. O nazismo e a consequente opressão dos judeus foi trazida até ao presente, através de um 'teatro' muito pouco feliz, por parte desta facção mais extremista dos judeus. Ora que o cenário era o seguinte: Crianças vestidas com as indumentárias usadas pelos judeus nos campos de concentração de Hitler, juntamente com a típica estrela que os distinguia. Na minha opinião, esta foi a forma mais triste e agressiva de manifestação de interesses e ideais. Está a causar grandes tumultos no seio da população israelita, que se julgava relativamente livre - dentro do possível e excluindo a luta eterna com os palestinianos - e a criar um sentimento de insegurança e principalmente, de retrocesso social. A gravidade desta situação está precisamente nesse tal retrocesso social, parecendo-se muito com o Apartheid. Sempre existiu esta facção mais radical, mas nunca tiveram tanta importância como hoje em dia e isso é que é preocupante, porque implica uma diminuição notória da situação das mulheres, coisa que está mais do que estabelecida e estabilizada em quase todos os países livres. Mulheres ocidentais vêem-se no meio de uma encruzilhada, entre o direito de terem a liberdade que sempre tiveram e o medo e insegurança de viver no seio de uma população dividida pela religião. Este problema pode até ser visto de uma perspectiva 'irónica', tendo em conta que todos os judeus sofreram com o regime nazi e todos deveriam ser complacentes com a liberdade e direitos aplicáveis a todos os seres humanos, mas na verdade, os ultra-ortodoxos estão, ainda que de outra forma e através de base ideológicas diferentes, a segregar e marginalizar na mesma. 
As minhas conclusões levam-me a pensar que existem um padrão quanto à marginalização. E será que existe mesmo?
Uns distinguem, e condenam 'raças', em favor do ideal de uma 'raça pura' ou em favor da 'raça branca', outros marginalizam e segregam um dos sexos, por o considerarem inferior. Continuam sem encontrar um padrão?