sábado, 9 de junho de 2012

Embaciado

Devias estar a fazer-me falta. Não fazes e eu assusto-me com a ausência do sentimento. Na esperança de te ter de novo a assolar-me todos os pensamentos, todos os cantos do meu ser, recordo a imagem de nós dois na minha cabeça. Vezes e vezes sem conta, se queres saber. Reclamavas sempre comigo por deixar a casa de banho demasiado embaciada depois de tomar banho. Como em todos os outros dias, também naquele entraste para mandares um daqueles gritos "não tomes com a água tão quente, não vês que isso até te faz mal?" e eu ignorava-te. Era sempre isso que fazia e era sempre assim que resultava.  Naquele dia preparavas-te para gritar, mas ao contrário dos outros, eu não estava enrolada no meu enorme toalhão de banho verde alface, mas sim despida. Já havia desembaciado a parte do espelho que me dava pela face, a fim de colocar o creme e fazer todas as outras trivialidades de quem acaba de sair da banheira. Olhaste para mim e abriste a boca, mas não gritaste. Espantado, não desviavas o olhar. Estranhei-te. Sempre tão descontraído... Mas naquele momento parecia que tinhas acabado de me conhecer, que me estavas a vislumbrar pela primeira vez. Atreveste-te a tocar-me no ombro despido e ainda húmido. Palmilhaste-me o corpo cuidadosamente, como quem não queria magoar-me, como quem queria conservar-me eternamente. Como quem embarca numa aventura até ao centro da terra, desceste com os lábios até ao meu pescoço. Continuei a olhar na direcção do espelho. Ver a tua excitação e o meu prazer espelhados por entre o vapor. Não me mexi. Não queria assustar-te. Sabia tão bem saber que não tinha passado ao estatuto de melhor amiga, que continuava a ser uma mulher em toda a plenitude que esta deve ser, com todos os luxos e desaires da sua condição. As tuas mãos de unhas roídas começaram lentamente a percorrer-me os braços, passando pelo meu ventre, pelas minhas costas, pelas minhas pernas. A tua boca caminhou um pouco mais e foi ao encontro da minha. Fomos até onde não sabíamos ser possível.

Nunca mais reclames comigo por causa do vapor na casa de banho.

Não gosto da sensação de sair do banho, limpar o espelho com a mão e não ter a tua imagem comigo.

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